Caminho ligeiro pelas ruas desta nossa Lisboa
cruzo-me com toda e qualquer pessoa
este que tosse, aquele ali que se assoa
gente de Alfama, Graça, Alvito, Madragoa
gente simples numa cidade que não destoa
onde o silêncio nem na noite ecoa
há quem ande perdido ou simplesmente à toa
ouve-se um ou outro grito que ressoa
não pode ser coisa boa
uma mãe defende o filho como uma leoa
ataca o assaltante e não lhe perdoa.
Há quem coma peixe frito com broa
para sobremesa uma suculenta meloa
como digestivo uma voz que fado entoa
uma pomba branca no céu voa
no rio navega uma frágil canoa.
Cuidado pescador com a sua proa
não estás numa regata na lagoa
olha que esse petroleiro te abalroa
se afundas, que vais dizer à tua patroa?
Aquela que em tua casa é rainha sem coroa
aquela que a tua cevada matinal coa
desde o teu regresso de Goa
aquela que por ti eternamente se magoa
e no mercado, o que pescas, apregoa
na sua voz de varina que tão bem soa
aquela a quem tu dedicaste a singela loa
e reza para que a tua vida não se escoa
a tua morte talvez lhe doa
evita, portanto, que essa noticia a moa
e alguém lhe diga: " O seu marido amou-a"
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